O aquecimento do mercado imobiliário com o crescimento expressivo do setor da construção civil tem gerado uma série de contratempos para muitos mutuários ou compromissários compradores de unidades imóveis, adquiridas na planta.
Tornou-se comum as construtoras desrespeitarem os prazos contratuais estabelecidos para a conclusão das obras e entrega das unidades imóveis. Muitos são os prejuízos que afetam diretamente os planos daqueles que tem seus sonhos alterados pela má administração ou mau gerenciamento dos recursos captados para a construção dos imóveis. Muitas empresas enfrentam dificuldades financeiras, não obtém os empréstimos ou financiamentos ou mesmo não obtém as autorizações e alvarás dos órgãos públicos. Os atrasos começam a gerar todos os fatores que ameaçam a entrega da construção no prazo, ou em alguns casos a própria construção.
O tema trazido à baila refere-se à segunda hipótese aventada acima. Quando as dificuldades da construtora ou empreendedora impedem a própria construção. Quando o prazo avança e a obra não sai do chão. Quando tudo que os compromissários compradores têm é a obrigação de efetuar o pagamento das parcelas do preço contratadas e de outro lado, sofrem porque por de trás dos tapumes nada há senão barro, quiçá alguns equipamentos e vestígios de obra. Muitas vezes nem operários se encontram no local da obra.
O que fazer? Qual a saída dos compromissários compradores? Rescindir o contrato administrativamente e assumir as perdas previstas contratualmente? Esperar indefinidamente pela conclusão das obras? Ou enfrentar a rescisão do contrato judicialmente com o pedido de devolução integral das parcelas, somadas as eventuais indenizações pelas perdas materiais e morais?
A saída jurídica da rescisão contratual é a mais recomendável pois permite sejam minimizados os prejuízos e ainda libera o comprador para assumir outra aquisição imóvel que atenda as suas necessidades.
Recentemente uma emissora de Televisão, a TV Record, levou ao ar uma matéria em que um grupo de compromissários compradores de um empreendimento imobiliário denominado EDIFICIO CONDES DO MAR, na Vila Bertelli, em Guarulhos/SP, de responsabilidade da BERTELLI EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA, protestavam indignados com o atraso das obras, que com previsão para o mês de Outubro de 2015, sequer tinham sido concluídas as obras de fundação. Ou seja, faltando menos de cinco meses para a entrega e a única coisa que a vendedora tinha concluído era o projeto. Nada mais. O protesto era legítimo. O desespero com a situação e o medo de perderem as quantias pagas, o capital já empregado no empreendimento, eram legítimos. A ausência de resposta por parte do vendedor, no caso a BERTELLI, também justificava o agrupamento dos compromissários, a sua união, em defesa dos direitos que já sabiam foram lesados.
A matéria pode ser vista link abaixo:
http://videos.r7.com/compradores-caem-em-golpe-e-se-frustram-por-nao-receber-imoveis-no-prazo/idmedia/555b2acb0cf2a514e0e7c261.html
Nestes casos a única saída é mesmo o pedido de rescisão contratual pelo inadimplemento antecipado da contratante, no caso a compromissária vendedora.
Com efeito, nesse sentido tem total cabimento o pedido de rescisão do contrato bem como o pedido de restituição integral de todas as quantias pagas, somadas ao pedido de SUSPENSÃO de toda e qualquer cobrança derivada do contrato, em sede de tutela antecipada, vez que é legítimo e justificado o pedido de DISTRATO com base na JUSTA CAUSA, causada pelo descumprimento do pactuado pela Construtora.
Os compromissários compradores sempre aderem a um contrato cujas cláusulas sempre preveem o inadimplemento e as consequências em caso de inadimplência do comprador e não do vendedor. Todavia, o presente caso, tal como se afigura, permite a aplicação da teoria do INADIMPLEMENTO ANTECIPADO, segundo o qual é possível prever o inadimplemento no prazo pactuado. O C. STJ em julgamento confirmando acórdãos dos tribunais estaduais tem mantido decisões pela procedência dos pedidos de rescisão de compromissos de compra e venda com restituição integral, pelas construtoras, das parcelas pagas, quando ficar demonstrado que a construtora frustrou o contrato em virtude de atraso na conclusão da obra, e nos casos em que a mesma nem se iniciou.
O fenômeno do inadimplemento antecipado ficou bem explicitado na sábia lição de Ruy Rosado de Aguiar pela qual “se o devedor pratica atos nitidamente contrários ao cumprimento ou faz declarações expressas nesse sentido, acompanhadas de comportamento efetivo contra a prestação, de tal sorte que se possa deduzir conclusivamente, dos dados objetivos existentes, que não haverá o cumprimento. Se essa situação se verificar, o autor pode propor ação de resolução O incumprimento antecipado ocorrerá sempre que o devedor, beneficiado com um prazo, durante ele praticar atos que, por força da natureza ou da lei, faça impossível o futuro cumprimento” (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Aide, 2003. p. 126-127. )
Com efeito, no julgamento do qual originou-se o trecho citado acima, do C. STJ nos autos do Recurso Especial nº 309.626/RJ, no qual foi apreciada a pretensão resolutiva do promitente comprador, tendo em vista o iminente inadimplemento da construtora, as partes haviam contratado a compra e venda de um apartamento, que seria construído pela ré, com entrega prevista para novembro de 1999. Dois anos após a celebração da avença, em 1998, as obras não haviam iniciado, o que motivou o adquirente a ingressar com a ação, uma vez que já não havia tempo útil para o início e a finalização da obra.
O ministro relator, Ruy Rosado de Aguiar Junior, aduziu que “o caso é de descumprimento antecipado de contrato de promessa de imóvel a ser construído, porquanto as circunstâncias reconhecidas pelas instâncias ordinárias evidenciaram que a construtora, até a data do ajuizamento da demanda, não iniciara as obras, embora já decorridos dois anos e faltando apenas um para o término do prazo contratual. Quando a devedora da prestação futura toma atitude claramente contrária à avença, demonstrando firmemente que não cumprirá o contrato, pode a outra parte pleitear a sua extinção”. Confira-se a Ementa do julgado cujo trecho do voto foi retro transcrito:
[…] PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Resolução. Quebra antecipada do contrato. Evidenciado que a construtora não cumprirá o contrato, o promissário comprador pode pedir a extinção da avença e a devolução das importâncias que pagou. Recurso não conhecido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Recurso Especial 309626. Carvalho Hosken S/A Engenharia e Construções e Luciano Camillo de Souza. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, 07 jun. 2001)
Do que se depreende é possível sim admitir-se a resolução antecipada do contrato sempre que, em face das circunstâncias adjacentes ao negócio jurídico, restar evidente que não haverá o cumprimento da forma e no tempo combinados entre as partes. Logo, de todo conveniente que, uma vez evidenciada a impossibilidade da conclusão do negócio jurídico dentro dos prazos estabelecidos, possam os compromissários compradores serem liberados do contrato com a restituição integral do quanto despendido, sem prejuízo de eventual indenização por perdas e danos, imputando à construtora, no caso a vendedora, a culpa exclusiva pelo distrato.
Em caso recente, contra a mesma construtora BERTELLI, temos a seguinte decisão já proferida, em autos do Processo de nº 1013573-76.2015.8.26.0224, em trâmite perante a 5ª Vara Cível de Guarulhos.
Processo 1013573-76.2015.8.26.0224 – Procedimento Ordinário – Rescisão/Resolução – – Bertelli Empreendimentos e Participações Imobiliárias Spe Ltda – Vistos. Trata-se de ação de rescisão de contrato com devolução das quantias pagas. Os autores adquiriram “na planta” o imóvel consistente na futura unidade 92 do empreendimento a ser construído pela ré, com a promessa de entrega inicialmente em outubro de 2015. Alegam que vem pagando em dia as parcelas pactuadas, tendo efetuado até o momento o pagamento do montante de R$ 32.254,52. Ocorre que em vistorias que realizaram para verificar o andamento das obras, os autores constataram um grande atraso obras, sendo que sequer foram iniciadas as de fundação do edifício. Afirmam que pelo andamento das obras a ré descumprirá o prazo de entrega. Requerem a rescisão contratual com devolução das quantias pagas. Há pedido de antecipação de tutela para suspensão dos pagamentos durante a tramitação da ação e para que seja determinado à ré que não promova atos que negativem o nome dos autores. A liminar deve ser deferida. Os autores trazem documentos que fazem prova inequívoca para o convencimento do juízo da verossimilhança de suas alegações. De fato, pelo que se relata, é bem fundado o receio dos autores pelo iminente descumprimento por parte da ré da obrigação a qual se comprometeu, por conta disso, pedem em juízo a rescisão contratual. Cabe acolher o pedido de imediata suspensão dos pagamentos. Consequentemente, é necessário dar-lhe a garantia que não sofrerão com a negativação de seus nomes junto às entidades de proteção ao crédito por conta dos débitos suspensos. Assim, presentes os requisitos autorizadores da medida, DEFIRO a antecipação de tutela pleiteada para a imediata suspensão dos pagamentos e determinando ainda que a ré se abstenha de praticar atos de cobrança de tais prestações que provoquem a negativação dos nomes dos autores junto aos órgãos de proteção ao crédito. No mais, recolham os autores o valor complementar para a expedição de carta citatória. Com o recolhimento cite-se e intime-se a ré para defesa no prazo legal. Intime-se. – ADV: LUANA CORREA GUIMARAES (OAB 276807/SP) (publicada no DJSP de 26/05/201, Edição 1891, pág. 2518))
A r. decisão acima publicada foi deferida porquanto é mais do que justo que venha a parte prejudicada pelo atraso e prevista inadimplência da outra, pedir a rescisão do contrato com base no disposto no Parágrafo único do Art. 395 segundo o qual “Se a prestação, devido a mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.” Também não nos esqueçamos que os contratos de compra e venda de unidade imóvel estão protegidos, amparados, pelo Código de Defesa do Consumidor que em seu art. 53 já estabelece:
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Conclusivamente, é direito daquele que já tem provas e indícios de que o contrato de compra e venda de imóvel será descumprido, ou seja, que terá a entrega da unidade atrasada, de acordo com o cronograma apresentado, ou por outros meios puder verificar, que não bastarão os prazos convencionais e nem os excepcionais previstos (180 dias) para a entrega do imóvel, pedir, judicialmente a rescisão contratual para o fim de obterem a devolução de todas as quantias pagas, devidamente corrigidas e eventualmente, acrescentar um pedido de indenização por danos morais e/ou materiais, decorrente do inadimplemento da construtora.
Maria de Lourdes Corrêa Guimarães
Advogada
Publicado em 02/06/2015